As restingas e os manguezais são muito mais do que o mato e a lama próximos ao mar. Esses dois ambientes fazem parte de ecossistemas costeiros associados ao bioma da Mata Atlântica.
Diferentes tipos de vegetação formam a restinga. Essa área tem a função de fixar a areia e impedir a erosão das praias, protegendo a costa. O desmatamento provocado pela urbanização da região costeira e o lixo que chega ou é deixado nas praias impacta diretamente o ecossistema.
Já os manguezais são florestas que fazem a transição entre o ambiente marinho e o terrestre, nas desembocaduras de rios. Esse ambiente funciona como filtro dos sedimentos que deságuam no mar, formando um espaço de alimentação para várias espécies. Além disso, contribui para as comunidades costeiras, sendo fonte de renda e de sustento para milhares de pessoas.
Impacto ambiental
Ambos os ecossistemas estão ameaçados em todo o Brasil. No Paraná, algumas obras propostas para o litoral podem interferir diretamente nesses ambientes e causar perdas irreversíveis.
A orla do município de Matinhos sofre há anos com as ressacas marítimas, resultado da retirada da restinga para dar lugar ao calçadão e a imóveis. Outro problema são os constantes alagamentos, devido às cheias do rio Matinhos. Em setembro, o governo do estado apresentou um projeto que prevê a construção de estruturas rígidas, obras de drenagem e aumento da faixa de areia.
Uma equipe multidisciplinar formada por professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pedido do Ministério Público do Paraná (MPPR), emitiu duas notas técnicas sobre a viabilidade dos procedimentos e a sustentabilidade ambiental do projeto (acesse os documentos aqui e aqui). “Essa obra, além de cara e desvinculada dos principais problemas de infraestrutura do litoral, é baseada no uso de soluções artificiais irreversíveis e com grandes impactos sobre o litoral”, explica a pesquisadora Márcia Marques, do Departamento de Botânica da UFPR. A construção do Porto de Pontal do Paraná e da Faixa de Infraestrutura, rodovia de ligação ao novo porto, também é questionada pelos especialistas, devido ao grande desmate de área de restinga.
De acordo com Marques, o litoral paranaense é cenário de outras propostas de melhorias, porém sem prever ou considerar os impactos ambientais, uma vez que essa vegetação é protegida por lei. Um exemplo ocorreu no início de 2020, quando as prefeituras de Matinhos e Guaratuba pretendiam realizar o corte de área de restinga junto à orla, sem consultar órgãos ambientais. Porém a ação foi suspensa após pedido do MPPR.
Ações individuais também interferem nesses sistemas. A professora Setuko Masunari, do Departamento de Zoologia da UFPR, aponta o uso indiscriminado de lanchas em alta velocidade em áreas de manguezal, que provocam ondas que batem às margens dos rios, tirando sedimentos e tombando árvores. Outro exemplo é o uso de pesticidas em plantações, que matam a vegetação nativa.
Além disso, há inúmeros estudos que comprovam ameaças, como o divulgado recentemente por pesquisadores do Centro de Estudos do Mar da UFPR, que detectou substâncias provenientes do petróleo, da queima de combustíveis fósseis ou das queimadas de vegetação em manguezais próximos à Ilha do Mel e ao Porto de Paranaguá. Em elevadas concentrações, podem ser cancerígenas e mutagênicas.
O que diz a lei
Restingas e manguezais são Áreas de Proteção Permanente (APP), previstas dentro da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), uma atualização ao Código Florestal, de 1965. Embora previstas como APPs, não havia detalhamento sobre os limites de abrangência das restingas e manguezais. Em função disso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) criou resoluções que definiram os ecossistemas para aplicação da lei.
No dia 28 de setembro, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) revogou duas resoluções do Conama (302 e 303) que delimitavam as APPs de manguezais e restingas do litoral brasileiro. Isso abriu espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção comercial de camarão.
Especialistas em meio ambiente apontam que hoje essas resoluções são os únicos instrumentos legais que protegem efetivamente essas áreas. “Com a revogação, resta apenas a interpretação da Lei, que fala que restinga e mangue devem ser preservados, mas não explicam o que são e os limites dessas áreas, deixando a proteção muito vulnerável”, explica Márcia Marques.
Entretanto, no final do mês de outubro, a ministra do Superior Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, suspendeu a revogação do MMA, que foi corroborada pelos demais ministros do STF.
Defesa do meio ambiente
Além dos pesquisadores da UFPR, vários grupos se organizam em defesa do litoral paranaense, como a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS) e o Observatório de Justiça e Conservação (OJC), que reúnem pessoas atuantes na conservação do litoral. Márcia Marques também assina artigos de opinião em jornais e revistas sobre esse e outros temas ambientais, assim como demais pesquisadores da UFPR e de outras instituições.
A conservação dos ecossistemas costeiros, além de garantir a permanência de espécies, provê recursos essenciais para o homem. Por exemplo, várias comunidades ribeirinhas dependem exclusivamente da exploração de recursos pesqueiros para o seu sustento, o que é possível apenas com manguezais e restingas preservados. Conforme Setuko, no estado do Paraná, em geral, o manguezal está preservado. No entanto, a falta de reconhecimento da importância desse ecossistema pelos gestores públicos e a população, os coloca em constante ameaça. “Quando as pessoas visitam essas áreas, se espantam com o cheiro caracteristicamente desagradável do lugar, pois o solo é pobre em oxigênio e as bactérias anaeróbias produzem metano e gás sulfídrico. Por isso, elas tendem a comparar o manguezal com um grande lixão, querendo destruí-lo. Mas não sabem o serviço que prestam para a natureza”, relata.
Desenvolvimento sustentável
Marcia e Setuko acreditam que o caminho a ser seguido para uma gestão sustentável do litoral do Paraná é o ecoturismo, com estímulo ao crescimento econômico das regiões, sem afetar as áreas naturais do litoral brasileiro. “Temos que criar mecanismos no ecoturismo baseado na exploração da biodiversidade como cenário, inclusive cultural. Nosso litoral é riquíssimo em histórias, em povos, em biodiversidade de plantas, animais e muitas vezes é ignorado”, enfatiza Marcia.
Outra solução apresentada é a aquicultura. Um exemplo vem de fazendas de ostras no bairro do Cabaraquara, em Guaratuba, cuja produção é muito apreciada pelo sabor, proveniente do manguezal preservado e da água limpa da região.
Na opinião das pesquisadoras, a diversidade ambiental e ecológica da mata atlântica pode servir de matéria-prima para o desenvolvimento. Entretanto, cabe aos gestores escolher esse caminho e assegurar leis que protejam essas regiões. “Com todo esse potencial gerado por pesquisadores paranaenses é inconcebível que se opte por um caminho insustentável”, finaliza Marques.
Por Louiselene Meneses e João Cubas