“Déficit da natureza” foi um conceito criado pelo norte-americano Richard Louv para questionar uma desconexão dos cidadãos urbanos com o mundo natural. A pandemia do novo coronavírus e as regras de distanciamento social e isolamento podem estar ampliando esse déficit, especialmente entre as crianças que começam a se conectar com esse outro mundo. Os estudos do professor Amauri Betini Bartoszeck, do Laboratório de Metabolismo Celular, Neurociência e Educação em Ciência Emergente da UFPR, destacam a importância de expor a criança à natureza e estimular sua expressão.
O professor tem trabalhado com a análise de desenhos coletados nas escolas para identificar o que as crianças sabem sobre vidas como o sapo e a formiga, por exemplo. Personagens de desenhos e da literatura infantil, eles também são objetos de análise e elementos da educação científica na infância. “Não acredito necessariamente que o isolamento possa aumentar o déficit da natureza, o que temos visto é programas escolares que trazem uma visão mais filosófica da natureza e exploram pouco o mundo natural na prática”, argumenta.
Explorar o mundo natural, na prática, seria ir a ambientes como os museus de história natural e promover passeios para espaços como o Jardim Botânico, por exemplo. Mas na ausência dessa possibilidade durante a pandemia e com as escolas operando no modelo de ensino remoto, recursos como uma horta ou mesmo o pátio de casa podem contribuir. “É possível minimizar o stress de ficar em casa plantando uma muda e pedindo para que a criança acompanhe o seu crescimento, medindo uma vez por semana, por exemplo”, recomenda.
Outro recurso que serve como estímulo é associar o trabalho de observação da natureza com os desenhos. Nas suas pesquisas, o professor estimula as crianças a desenharem o que imaginam haver fora e dentro dos bichos para ter acesso ao conhecimento que eles já trazem sobre o mundo natural. Mas, em casa, a atividade também pode contribuir com uma finalidade lúdica e auxiliar para o desenvolvimento progressivo da atividade motora fina.
“Tem de escolher um momento em que a criança quer o lápis e a folha e estimulá-la, questionando, por exemplo, se ela acha que pode desenhar um pássaro que pode estar perto. É necessário forçar a imaginação para vencer esse momento de afastamento da escola”. O professor recomenda, por exemplo, que em casas com pátios se use recursos para atrair os pássaros. Ele mesmo utiliza frutas picadas como um chamariz.
O professor lembra, ainda, que esse tipo de atividade, em contato com a natureza, a horta ou o pátio de casa, com a proposta de estimular também a produção artística, pode incluir aqueles que não têm acesso a computadores. “Penso que as artes visuais podem ser mais bem exploradas e a criança sempre aprende muito em interação com o ambiente”.
Dois dos estudos mais recentes do professor buscam compreender como as crianças veem bichos como os sapos e as formigas, a partir dos seus desenhos. A proposta é utilizar histórias infantis para incorporar o mundo natural aos pequenos, estimulando-os a narrarem suas impressões por meio da arte.
“Como se pode ensinar nas escolas se não sabemos o que as crianças já sabem?”, questiona o professor. Suas investigações têm justamente o objetivo de captar essas informações por meio da coleta de desenhos. Sobre os sapos, por exemplo, identificou que elas são ajudadas por representações de livros infantis e documentários de TV, mas as crianças mais velhas enfatizam com mais propriedade o que aprenderam em sala de aula. O hábito de ir a espaços em que podem entrar em contato com esses animais é um estímulo necessário, por isso a visita a ambientes com essa finalidade é atividade importante.
Um outro trabalho tentou captar a percepção das crianças da pré-escola e primeiros anos do ensino fundamental sobre formigas e seus habitats. Uma das conclusões foi de que a compreensão dos pequenos sobre o inseto está ligada principalmente ao contexto biológico, ao lugar onde elas vivem e observam os animais. “Com essas atividades nós podemos descobrir, com dados experimentais, o que pode ser melhorado nos novos currículos”, pontua Bartoszeck.
Ativo nas pesquisas em neurociência, o professor reforça que a criança aprende a partir das suas interações, o que estimula suas sinapses. De acordo com ele, é o estímulo a essas atividades, balanceadas com a visitação a lugares em que o mundo natural esteja apresentado, que vai dar mais repertório, desde a infância, aos indivíduos sobre o mundo em que vivem.
Por Amanda Miranda, da Sucom/UFPR