Uma força-tarefa do Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) conseguiu atestar que os 12 felinos selvagens do Zoológico Municipal de Curitiba não estão infectados com o novo coronavírus. A verificação foi feita a pedido da Prefeitura e tem impacto na saúde pública devido à dúvida sobre o contágio interespécies levantada por registros de felinos infectados, que vêm ocorrendo desde abril — o primeiro foi o de uma tigresa que vive no Zoológico do Bronx, em Nova York. Foram testados quatro onças, três gatos do mato, uma jaguatirica, um gato maracajá, um puma, um leão e um tigre do zoo curitibano.
A experiência subsidiará pesquisas no Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular (PGBioCel) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias (PGCieVet) da UFPR. A ideia é analisar como o Sars-Cov-2, vírus causador da Covid-19, se manifesta em felinos selvagens e domésticos. Por isso os testes dos felinos selvagens do zoo de Curitiba devem ser refeitos no segundo semestre, explica o professor Alexander Biondo, que orienta os trabalhos na área.
Os pesquisadores coletaram amostras dos felinos por meio de swabs nasal e oral (método chamado de “combinado”), que é quando o esfregão com cotonetes é realizado na boca e no nariz. Por questões anatômicas, o processo é diferente do da coleta de amostras em humanos, que capta o muco da região nasofaríngea, onde ficam as células olfativas e o coronavírus costuma se alojar. Para a coleta, os cientistas contaram com a ajuda dos tratadores, o que dispensou necessidade de sedação.
Resultados
Também foram colhidas amostras dos 39 tratadores do zoológico, dessa vez por meio do swab nasofaríngeo. Nesse caso, um tratador, que não lidava diretamente com os felinos, teve resultado positivo para o coronavírus e está em quarentena. Todos os kits de diagnóstico foram cedidos pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), que produz kits de diagnóstico molecular.
As amostras foram analisadas em um pool de laboratórios do Setor de Ciências Biológicas da UFPR que têm atuado em colaboração, sob a liderança do Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade (Ligh) da universidade. Os pesquisadores usaram o método RT-PCR, que detecta a presença do vírus por meio da análise das moléculas de RNA encontradas nas amostras.
Segundo o professor Emanuel Maltempi de Souza, que coordenou os exames, o método de análise foi o mesmo para amostras de pessoas, uma vez que a busca é por material genético do vírus. Uma diferença, ressalta Souza, é que, como a literatura científica que trata de felinos já infectados aponta que eles em geral possuíam baixa carga viral no organismo, é preciso uma análise mais minuciosa do material. Por conta disso, a equipe de cientistas começou a análise logo em seguida à coleta, para eventualmente evitar degradação do material genético do vírus. Também refez análises para forçar contradições nos resultados, o que não ocorreu.
“É um projeto multidimensional. Temos a dimensão da pesquisa, de avançar na resposta sobre algumas perguntas da contaminação interespécies, temos a saúde dos tratadores, que prestam um serviço essencial, e temos a saúde pública, já que é importante saber se gatos podem ser vetores da doença”, explica Souza.
Pesquisa
A experiência baseará um trabalho de mestrado no PGBioCel que pretende repetir no Brasil um estudo publicado no jornal da American Society for Microbiology, em maio, com base no sequenciamento do genoma da tigresa infectada em Nova York. O objetivo é entender se os felinos selvagens “hospedam” o vírus, situação que é diferente ser “vetor” porque o animal também é atingido pela doença. Ainda não existe registro de felinos que desenvolveram pneumonia devido ao vírus, mas há os que manifestaram sintomas como dificuldade de respirar e febre.
“Queremos elucidar se existe o mecanismo de infecção de humanos pelos felídeos, visto que o contrário já sabemos que ocorre, e se esses animais poderiam ser ‘reservatórios’ do novo coronavírus”, explica a pesquisadora Brenda Winona dos Santos. “No âmbito da saúde pública, se confirmarmos que animais podem retransmitir o vírus, é de extrema necessidade que o manejo correto seja feito visando não ter a ‘devolução’ da doença ao meio”.
Por Camille Bropp, da Sucom/UFPR