O coronavírus (Sars-CoV-2), assim como os demais vírus, possui um mecanismo de replicação para se manter na natureza. Ao entrar em contato com as células humanas, o vírus da Covid-19 passa a se replicar em grande velocidade e esse processo dá origem a cópias daquele vírus que entrou no organismo originalmente. Erros no mecanismo de replicação podem provocar cópias diferentes das originais, com mutações. Se as mudanças não forem vantajosas, ou seja, não melhorarem a capacidade de ataque do vírus, essas cópias desaparecem. Porém quando as mudanças aprimoram o vírus, a reprodução passa acontecer, com prevalência, a partir dessa cópia vantajosa. Assim nascem as variantes virais.
As mudanças acontecem na sequência de bases do genoma do micro-organismo e potencializam o aparecimento de vírus diferentes, conforme explica Emanuel Maltempi de Souza, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e presidente da Comissão de Acompanhamento e Controle de Propagação do Novo Coronavírus na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“O aparecimento de erros é inerente ao processo de cópia e é exatamente isso o que acontece quando um vírus se multiplica dentro das nossas células. A cada célula que o vírus infecta, ele é copiado milhares e até milhões de vezes. E ele não infecta uma célula só, mas milhões de células. Ao multiplicar esses milhões de cópias pelos milhões de células, pelos milhões de pessoas infectadas, a chance de haver uma cópia diferente e mais vantajosa aumenta”, explica. Quando variantes passam a ser encontradas com muita frequência, significa que elas têm mais aptidão para provocar a doença e colonizar os seres humanos.
Quanto mais o vírus circula e quanto mais se multiplica, maior é a chance de que novas cepas surjam. No caso do coronavírus, esse processo está acontecendo de forma natural, o micro-organismo está encontrando formas de sobreviver melhor. “É uma evolução natural. Quanto mais pessoas infectadas houver, sejam sintomáticas ou assintomáticas, mais chances o vírus tem de se multiplicar e gerar novas variantes”, afirma Souza.
Sequenciar para combater
No momento, as variantes do coronavírus mais preocupantes são a P.1, identificada no Amazonas; a B.1.1.7, originária do Reino Unido; e a B.1.351, da África do Sul. Uma análise técnica publicado pela Fiocruz na última quinta-feira (4), revela que essas variantes já são predominantes em pelo menos seis estados brasileiros e que já estão dispersas por todas as regiões do país. Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os estados em que as novas cepas prevalecem.
Segundo o professor da UFPR, essas mutações compartilham algumas modificações idênticas entre si, mas também apresentam várias diferenças. Para que seja possível identificar as alterações, é necessário fazer o sequenciamento genômico. “É a única forma de saber quais são as variantes. Se soubermos qual mudança leva a um determinado comportamento viral, podemos procurar, por outros métodos, a presença ou não dessa mudança”.
Para ele, o cenário ideal apresentaria um programa de sequenciamento genômico em larga escala desde o início da pandemia para identificar as mutações conforme elas fossem aparecendo. Atualmente, apenas o Reino Unido está fazendo esse monitoramento de forma mais abrangente. “Se essas cepas representarem o perigo que achamos que representa, sem esse monitoramento podemos ter surpresas muito sérias mais para a frente. Elas podem ser mais transmissíveis, como aparentemente são, mais letais, mas, principalmente, podem escapar da imunidade criada pelas vacinas”.
Então como ficam as vacinas?
Caso se confirme que as variantes do Sars-CoV-2 são mesmo capazes de escapar da imunidade criada pelas vacinas, as coisas ficarão muito mais difíceis do que já estão. “Precisaríamos produzir uma vacina diferente para cada cepa e o plano de vacinação das pessoas seria mais complicado”, pondera Souza questionando como isso seria feito: “Funcionaria misturar todas as vacinas em uma só? Deveríamos aplicar as doses normais e um boost com os imunizantes para as cepas? Contra quais cepas vacinar?”. Essas dúvidas só poderiam ser esclarecidas após novas fases de testes, novos estudos científicos. “Os problemas adicionais trazidos pelas variantes estão acontecendo porque demoramos demais para perceber que eles estavam ocorrendo”, julga o pesquisador.
Apesar de as cepas brasileira, britânica e africana serem as que mais causam preocupação neste momento, os cientistas alertam que devemos ficar atentos de uma forma geral, pois mais variantes podem surgir. “O aparecimento de novas características do vírus leva ao aparecimento de novas características da doença. Essas características podem dificultar muito o combate à Covid-19, além de ocasionar esse impacto nas vacinas”, comenta Souza.
Prevenção
Independente da variante, as formas de contê-las ainda são as mesmas, por meio do combate não farmacológico: distanciamento social, uso de máscara, higiene das mãos e ambientes arejados. De acordo com o bioquímico, diversos estudos apontam que a máscara é o principal item de proteção individual e coletiva.
“Isso não quer dizer que vamos ficar em um lockdown eterno”, avalia o professor. Para ele, precisamos aprender a trabalhar e a conviver com menores taxas de contágio, o que não acontece porque sempre que há uma abertura do comércio ou um período de festa, as pessoas esquecem todo e qualquer cuidado.
Uma alternativa viável para a prevenção é o controle de mobilidade via aplicativos ou redes de celular. Os programas saberiam perto de quem seu celular está e, ao identificar uma pessoa com Covid-19, aqueles que estiveram próximos a ela seriam avisados e orientados a realizar o teste. Entretanto, essa é uma forma de cercar a doença que esbarra em direitos de liberdade questionados pela população.
“Em março do ano passado a China já fazia isso, mas também países com regimes democráticos como Taiwan, Coreia do Sul, Singapura e Reino Unido. Não à toa esses lugares estão com a pandemia sob controle. Controlar com que você esteve é uma forma bastante eficiente de controlar o espalhamento da doença”, destaca o bioquímico.
Pesquisadores do Reino Unido divulgaram uma avaliação do aplicativo do National Health Service (Serviço Nacional de Saúde), lançado na Inglaterra e no País de Gales no final de setembro de 2020. Segundo as análises, a equipe estima que a cada 1% de aumento nos usuários do aplicativo, há uma redução de 0,8% a 2,3% no número de infecções.
Vacina ainda é “nossa melhor chance”
Outro caminho para combater as variantes é o da vacinação rápida, pois quanto mais pessoas forem vacinadas, maior é a chance de impedir a circulação do vírus e, consequentemente, a criação de novas cepas que, no futuro, poderiam não ser contempladas pela vacina: “corta-se o mal pela raiz”.
Souza também acredita que vacinar a população de forma ágil é o modo mais viável economicamente. “Se conseguíssemos vacinar todas as pessoas em um período de três a quatro meses, estaríamos poupando bilhões de dólares e muitas vidas. Há a possibilidade de que a vacina não funcione como achamos que ela deveria funcionar, sendo bastante eficaz na imunização? Sim, porque precisamos ainda avançar em outras fases de testes. Porém, sem dúvida, é a nossa melhor chance”, finaliza.
Por Jessica Tokarski – Sucom/UFPR