A pandemia ocasionada pelo novo coronavírus tem alterado a rotina das pessoas de modo geral e, consequentemente, modificado a organização familiar. Com as orientações de distanciamento social, as crianças acabam passando a maior parte do tempo em casa com familiares ou cuidadores que estão em trabalho remoto ou impossibilitados de trabalhar. Essa dinâmica representa sobrecarga para conciliação de rotinas e pode influenciar expressivamente no desenvolvimento e na qualidade de vida das crianças, principalmente as que se encontram em um cenário de desigualdade social devido a gênero, cor da pele ou condições socioeconômicas.
As interações sociais na família, na vizinhança e na escola são fundamentais para o desenvolvimento das crianças, principalmente na faixa etária entre 0 a 12 anos. Para um grupo de pesquisadores da área de saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apesar de o Brasil ter apresentado muitos avanços com políticas públicas de saúde da criança, ainda existem muitas desigualdades relacionadas às condições de saúde que podem acarretar atrasos no desenvolvimento.
“A literatura aponta que identificar precocemente atrasos no desenvolvimento favorece que eles sejam minimizados em até 50% dos casos. De modo oposto, caso intervenções não sejam realizadas nos anos iniciais da vida da criança, sequelas permanentes chegam a acometer de 5 a 10% dos bebês e crianças em todo o mundo, sendo que esses valores podem ser ainda maiores no Brasil, com impacto expressivo em gastos futuros para saúde pública”, explica Tainá Ribas Mélo, fisioterapeuta e professora da graduação em Saúde Coletiva.
Preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como medida de combate à covid-19, o distanciamento social forçou uma nova forma de organização no cuidado com bebês e crianças. Segundo Tainá, a pandemia impõe um desafio grande às famílias, que têm que associar as atividades de cuidado e até educação de seus filhos com as funções laborais que têm acontecido de forma remota para parte da população. “Ainda há muitos casos de famílias que se encontram em situações mais complicadas e, até mesmo, de violência doméstica”, avalia.
As novas formas de organização e de permanência de bebês e crianças no lar – afetadas pela suspensão de atividades presenciais em escolas, pela diminuição de transportes, pelo trabalho em casa ou o desemprego dos familiares e pela redução de interações sociais – podem levar a mudanças nos indicadores de desenvolvimento e qualidade de vida.
Para identificar, mapear e acompanhar as condições de saúde, desenvolvimento neuropsicomotor e qualidade de vida de bebês e crianças brasileiras, de 0 a 12 anos, durante e após pandemia, os pesquisadores desenvolveram um questionário buscando informações que possam indicar como estão esses parâmetros, associados a questões como violência doméstica. “Utilizamos instrumentos indicados para estudos populacionais. Esses indicadores poderão direcionar novos estudos e estratégias de ação, de forma a mais aproximada da realidade”, revela a professora.
Até o momento, a pesquisa já teve mais de 300 respondentes e os pesquisadores desejam atingir o maior número possível de respostas nos próximos meses. Apesar de preliminares, as informações qualitativas já mostram sinais de mudança e de sobrecarga familiar, especialmente no que diz respeito às mães e às dificuldades ocasionadas pelo afastamento escolar. Os dados quantitativos exigirão uma análise posterior. O questionário deve ficar disponível até o retorno das atividades escolares e será reaplicado em períodos de seis e 12 meses pós-pandemia.
Os resultados do estudo serão importantes para desenvolver estratégias futuras de promoção, prevenção, reabilitação e recuperação para bebês e crianças, especialmente àqueles que foram expostos a fatores de risco ou atraso para o desenvolvimento relacionados à covid-19. “Também poderemos compreender a saúde dentro de um modelo biopsicossocial, utilizando o modelo da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), o qual compreende a pessoa para além da presença ou ausência de doença, como pessoa inserida em ambientes influenciados por vários fatores”, aponta Tainá.
Além de Tainá, que coordena o projeto, participam da pesquisa “#CRIANÇA EM CASA: Saúde, desenvolvimento e qualidade de vida de bebês e crianças brasileiras durante pandemia do coronavírus (covid-19)” os professores Vera Lúcia Israel, do departamento de Fisioterapia; Marcos Claudio Signorelli, do departamento de Saúde Coletiva; e a doutoranda em Atividade Física e Saúde, Luize Bueno de Araujo.
Participe da pesquisa aqui. O questionário, que foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFPR, leva em média 15 a 20 minutos para ser respondido. Estão disponíveis formulários de acordo com faixas etárias e também um vídeo de orientação para o preenchimento. Os pesquisadores garantem a manutenção do sigilo pessoal dos respondentes.
Por Jessica Tokarski, da Sucom/UFPR