Não há dúvidas de que é preciso economizar. O país passa por um momento de crise e isso é indiscutível. No entanto, dentro da realidade em que vivem as universidades federais, finalizando muitas obras, expandindo número de alunos e abrindo novos campi – tudo isso decorrente do plano de expansão pactuado anteriormente – e, por outro lado, com o orçamento congelado há alguns anos, exigir economia de grande magnitude, praticamente no meio do ano letivo, inviabiliza o funcionamento das atividades.
Mas afinal, de quanto foi o corte, de 30 ou de 3,5%?
O valor total aprovado pelo Congresso Nacional na Lei Orçamentária Anual para 2019 inclui despesas com pessoal (ATIVOS E DE APOSENTADOS), ditas despesas obrigatórias, e também as despesas de custeio (para manter a universidade funcionando), ditas discricionais.
A conta de 3,5% é sobre o valor TOTAL, incluindo as obrigatórias, as quais não podem ser cortadas por força de lei e as universidades não tem ingerência. Portanto, o corte foi de 30% dos recursos alocados para despesas com manutenção da universidade. Aliás, esse valor foi igual ao de 2018 (em decorrência da PEC do teto) e menor que o de 2017. Muitas matérias na mídia esclarecem o assunto. Por exemplo, aqui e aqui.
Todas as informações sobre os recursos alocados à UFPR, bem como sua utilização, são públicos e estão detalhadas na internet. Além disso, qualquer dúvida pode ser dirigida para as Pró-reitorias de Administração ou de Planejamento, Orçamento e Finanças.
Para que servem esses recursos?
Os maiores gastos das universidades são com os grandes contratos de serviços terceirizados (vigilância, limpeza, portaria, manutenção, entre outros). Hoje são mais de 1200 pessoas, na UFPR, que atuam em vários cargos terceirizados, que antes eram do serviço público federal.
Ainda, vale destacar, que nos últimos anos a nossa universidade cresceu muito (Campi Teixeira Soares, Toledo, Jandaia do Sul e Mirassol). Não houve aumento de verba, mas aumento do número de postos terceirizados. Além disso, este recurso que chamamos de manutenção, se destina ao pagamento de despesas de consumo, como energia elétrica (mais de R$ 13 milhões anuais), água, material de limpeza e de laboratório, transporte, entre outros.
Como não conseguem cortar 30% desse orçamento?
A medida anunciada no ano em curso, sem a menor garantia que terá retorno, impossibilita fazer o ajuste e manter a casa funcionando. Vamos fazer um exercício simples: uma pessoa tem um ganho mensal de R$ 1000 por mês e tem compromissos assumidos do mesmo valor. Ao longo do ano, os gastos somam R$ 12000. Se tiver que fazer um ajuste de 30% do valor ANUAL (R$ 3600) de seus ganhos e distribuí-lo em 7 dos 12 meses. Uma vez que já gastou R$ 5000, teria que se organizar com apenas R$ 3400 (R$ 7000 – R$ 3600), isto é, com R$ 485,71/mês, em vez de R$ 1000/mês. Em outras palavras, teria que sobreviver com um orçamento 51,43% menor. De fato, é um corte brutal.
No nosso caso, para chegar a uma redução do orçamento ANUAL de 30%, em que seria cortado?
Se os maiores gastos são com os grandes contratos, esses são os primeiros a sofrerem o impacto da redução. Isso representaria uma demissão de mais de 600 pessoas (lembre-se que para chegar aos 30% ANUAL a redução teria que ser de 51,43% nos 7 meses restantes). Por outro lado, a lei permite reduzir um contrato em até 25%. Então, como o corte é superior aos 25% previstos em lei, para se chegar à redução necessária, seria preciso cancelar contratos. Duas implicações:
I) Isso significa não abrir as portas no segundo semestre. E o mais importante: como não houve cortes nas despesas obrigatórias, significa que os salários dos servidores, continuarão sendo pagos (é garantido por lei – por isso é uma despesa obrigatória). Os servidores terão que vir trabalhar, sem alunos e também sem alguns (se não todos) serviços terceirizados. Se hoje as condições já são ruins, ficarão deploráveis.
II) Mas, e se parte do recurso voltar? Para ter um novo contrato, é um processo licitatório, que geralmente leva cerca de seis meses.
Essa é nossa maior angústia, isto é, se teremos condições de trabalho e de funcionamento para o ano letivo.
Por que tanta discussão agora se já houve contingenciamento em governos anteriores?
Nas outras ocasiões de contingenciamento (a última foi em 2017 – governo Michel Temer), o limite de empenho foi reduzido. Assim, o orçamentário continuava lá, o recurso estava na conta da universidade, mas não tínhamos autorização para empenhar (em 2017 foi de 10% – e foi liberado no final do ano). Além disso, não havia a PEC do teto de gasto, ou seja, já houve uma limitação na Lei Orçamentária Anual, o que não acontecia antes. Este ano, o recurso desapareceu da conta das universidades, por isso que é dito que foi um corte. Além disso, os próprios colegas de trabalho, do Departamento em que o Ministro da Educação leciona, entendem dessa forma e não visualizam um retorno dos recursos, mesmo após a aprovação das reformas da Previdência (veja o texto completo em: manifesto dos professores da UNIFESP).
Ainda, é a primeira vez que há uma campanha maciça contra a imagem das Universidades Públicas, enfocando principalmente: a) uso inadequado de recursos: falácia, pois nossas contas são auditadas e aprovadas pelo Tribunal de Contas da União – TCU e estamos sendo fiscalizados diariamente pela CGU; b) ineficiência: mais de 90% das pesquisas científicas são realizadas nas universidades públicas e os índices da UFPR (em vários parâmetros) mostram que estamos em posição de destaque nacional , entre outras críticas sem fundamentação; c) baixa qualidade: as vinte melhores universidades brasileiras são públicas (a UFPR está entre as 10 melhores em diversos rankings que consideram ensino, pesquisa, inovação, extensão e inserção dos egressos no mercado).
Para garantirmos o funcionamento da universidade, a UFPR tem buscado apoio incessante para reverter os cortes. Nesse sentido, os três senadores do Paraná estiveram conosco na segunda-feira, dia 13. Eles, juntamente com grande parte da bancada de parlamentares federais, vieram entender a situação das instituições federais do estado (UFPR, UTFPR, IFPR e UNILA). Todos concordaram que a situação é caótica e é preciso reverter isso logo.
É PRECISO DEFENDER A UNIVERSIDADE PÚBLICA. O trabalho realizado aqui vai muito além das aulas na graduação. A UFPR tem um trabalho essencial para a sociedade paranaense. Por exemplo, o Hospital de Clínicas é um dos maiores hospitais públicos de alta complexidade do Brasil e um dos pioneiros nacionais no serviço de transplantes. Temos atendimento em diversas clínicas-escola, museus, grupos musicais, de teatro e inúmeros projetos de extensão universitária que atendem a comunidade. Fazemos pesquisa com padrão internacional. E formamos os melhores profissionais nas mais diversas áreas, como saúde, engenharias, educação, economia. Por fim, tudo o que queremos é continuar trabalhando.
Professor Edvaldo da Silva Trindade
Diretor do Setor de Ciências Biológicas