Um resultado promissor obtido em pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) irá possibilitar novos ganhos na produção agrícola, com impactos financeiros e ambientais. Uma solução que envolve genética e biotecnologia, desenvolvida em colaboração com o International Centre for Genetic Engineering and Biotechnology (ICGEB) na Itália e com a Universidade de São Paulo, pretende fornecer uma alternativa à produção do fitormônio citocinina, de alto custo comercial e essencial ao crescimento vegetal.
A citocinina tem a função, entre outras coisas, de agir no início do desenvolvimento vegetal, promovendo a divisão celular e a diferenciação. É, portanto, um hormônio de alto valor comercial – alguns miligramas chegam a custar entre R$1.500 a R$ 2.000. Sob a liderança dos professores Fábio Pedrosa, Emanuel Maltempi de Souza e Marcelo Muller dos Santos, a universidade conseguiu uma alternativa sustentável para a sua produção.
“Hoje, se quiser produzir quilos de citocinina, teria que germinar brotos de alguma planta, pegar milhares deles e extrair para só depois aplicar. O valor comercial é alto exatamente devido à dificuldade de obter”, pondera Muller. “A nossa ideia é desenvolver uma plataforma sustentável e economicamente viável”, explica. “São moléculas complexas e difíceis de sintetizar, por isso são caras”, reforça Souza.
A pesquisa é resultado de um financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em edital conjunto com o ICGEB e começou há quatro anos, em uma cooperação com um laboratório na Itália que também estuda bactérias do solo capazes de se associar beneficamente a plantas. O trabalho foi praticamente um quebra-cabeça que envolveu sucessivos planejamentos, modificações e combinações genéticas até chegar à melhor solução, com diferentes técnicas, como bioinformática e biologia sintética. “Temos, agora, um processo muito barato para obter esse tipo de molécula”, comemora Souza. “Mas precisamos usar o que conhecíamos para ter um organismo com capacidade biológica superior ao que se tinha”.
A ideia surgiu a partir do já reconhecido trabalho do grupo com a bactéria Azospirillum brasilense, fixadora de nitrogênio bastante estudada no laboratório. Ela já era estudada pela equipe como produtora de fitormônio. “Como interagem com planta, a hipótese é que elas produzam o fitormônio para controlar o desenvolvimento da planta, fazer com que fique mais saudável e dê mais nutrientes para ela”, explica Souza. Como o genoma da bactéria é conhecido, a ideia foi manipulá-la geneticamente para verificar se ampliava a produção do composto.
A partir daí, uma outra bactéria entrou em ação, a Escherichia coli – velha conhecida das pesquisas na área. O organismo seria usado como teste de conceito, mas já nos testes começou a produzir a citocinina ao ser modificado com um gene de planta ou de bactéria. A partir daí, passou a ser o principal material da pesquisa, demonstrando grande capacidade de produção de citocinina.
De acordo com Muller, há uma outra possibilidade promissora no contexto da pesquisa, relacionada a uma técnica chamada de micropropagação – a clonagem de plantas. Tanto a citocinina quanto a auxina são utilizadas nestes processos, que necessita da manipulação dos hormônios para que os tecidos das plantas se transformem em qualquer um dos seus órgãos.
É possível, nesse caso, fazer uma analogia com as células tronco embrionárias humanas, projetando a viabilidade de que fármacos fitoterápicos, por exemplo, sejam produzidos em maiores quantidade e com mais sucesso. Isso porque um dos grandes desafios da fitoterapia é justamente a grande quantidade de compostos necessários para seus testes e comercialização. A facilidade na produção de citocininas geraria impactos também nessa frente de aplicação.
A molécula sintetizada na UFPR está sendo aplicada em alguns estudos em andamento. Em um deles, com a professora Carem Gledes Vargas Rechia, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto. Ela tem usado micropropagação para regeneração de plantas de tomate a partir de poucas células, um processo que requer a aplicação de citocininas para ser otimizado. As amostras produzidas na UFPR desempenharam com eficácia semelhante à do produto do mercado. “O gene foi planejado para funcionar melhor, com partes de outros organismos, por isso o bom resultado”, diz Souza.
Muller reforça que a pesquisa inicial, começada há quatro anos, era exploratória, e que os resultados expressivos são positivos ao meio ambiente, já que os fitormônios sintéticos no mercado quase sempre demandam o uso de produtos derivados do petróleo e, portanto, com impactos ambientais. A proposta dos pesquisadores, a partir de agora, é gerar uma solução para a indústria, com o estabelecimento de patente e sua comercialização.
Por Amanda Miranda, da Sucom/UFPR