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Da nuvem de gafanhotos ao enxame em alto mar: pesquisador da UFPR explica o fenômeno da migração de insetos

Nos últimos dias, a possível chegada de uma nuvem de gafanhotos ao Brasil despertou curiosidade e revelou a importância do estudo dos insetos no equilíbrio ambiental.

O professor Ângelo Parise Pinto,  entomólogo do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que o fenômeno da nuvem de gafanhotos é natural. Porém, intervenções humanas na agricultura podem favorecer o acúmulo de certas espécies. “A agricultura existe há 10 mil anos. A alteração que fizermos nos ecossistemas naturais favorece as explosões de insetos. Favorecemos alguns, mas prejudicamos outros”, explica Parise.

O pesquisador ressalta que grandes áreas  de plantação de um único produto (sem nenhuma barreira, como florestas), a estiagem prolongada e o aumento de temperatura na região sul do continente americano tornaram o ambiente extremamente favorável aos gafanhotos.

Outros insetos também são conhecidos por fazerem grandes deslocamentos. A borboleta Monarca, na América do Norte, viaja milhares de quilômetros para depositar seus ovos. Já as libélulas formam nuvens gigantescas e se deslocam por centenas de quilômetros ao longo do dia, inclusive à noite.

Exemplares dos gafanhotos migratórios encontrados no Brasil. Acervo da Coleção Entomológica Padre Jesus Santiago Moure, Departamento de Zoologia da UFPR, coletados em 1947 e 1988, respectivamente. Fotos – Ângelo Parise Pinto

Existem aproximadamente 7 mil espécies de gafanhotos no mundo. Cerca de 20 delas são chamadas de locustas, grupo que se organiza em nuvens. No Brasil ocorrem duas delas: a Rhammatocerus schistocercoides  e a Schistocera cancellata,  sendo a segunda a responsável pela nuvem que está na Argentina.

Ângelo explica que para compreender a organização dos gafanhotos em nuvens, é necessário conhecer a estrutura e os hábitos desses insetos. As locustas têm alterações fisiológicas e comportamentais de acordo com a densidade populacional das espécies. O pesquisador explica que, desde a fase de ninfa, esses insetos já se organizam em grandes grupos. Ao surgirem as asas, eles passam a percorrer longas distâncias, chegando a 200 quilômetros  em um só dia.

O docente destaca que a migração envolve uma finalidade, como a busca de alimentos; e uma direção, que é influenciada pelas correntes de vento e pelo clima. Quando uma massa de ar mais quente e outra mais fria colidem aumenta a chance de chuvas e da oferta de recursos.

O que pode explicar a explosão nos países vizinhos é a recorrência de estiagens prolongadas e o aumento das temperaturas na América do Sul. Isso faz com que uma área geográfica  maior reúna condições adequadas para a nuvem em relação a anos anteriores.  “Essas explosões não são consequências de fenômenos atuais. Foram anos seguidos de oportunidades, de algumas condições que favoreceram essas populações, gerando esse surto todo”, enfatiza o docente da UFPR.

Parise conta que esses insetos ocorrem regularmente no continente e que o fenômeno de migração faz parte do processo seletivo. “A questão, no momento, é saber quais elementos estão afetando o meio ambiente, que podem propiciar que essas nuvens sejam mais frequentes, maiores e que podem trazer mais danos”, alerta.

 

Reprodução do Jornal Correio da Manhã de 01 de outubro de 1946. Acervo Biblioteca Nacional

O pesquisador lembra que a região sul do Brasil já vivenciou algo parecido na década de 1940, com relatos de aparecimento da nuvem no Paraná.  À época, a região recebeu a visita do Exército e do Instituto Biológico de São Paulo, a fim de evitar que a invasão chegasse às lavouras paulistas. Na reportagem do Jornal Correio da Manhã de 1º de outubro de 1946, ainda havia a recomendação aos agricultores para o uso de inseticidas, “principalmente dos novos produtos aparecidos na última guerra”.

Conforme explica o docente da UFPR, por muito tempo foi difícil estudar esse fenômeno, devido ao tamanho pequeno desses animais e à migração noturna de muitas espécies, o que dificultava a visualização. Uma técnica que trouxe evolução às pesquisas foi o desenvolvimento de radares, que conseguem mapear e estudar detalhadamente o fenômeno de migração dos insetos.

Parise publicou no ano passado um estudo que procura entender um grupo demográfico muito pouco compreendido: insetos que migram por centenas de quilômetros de oceano aberto.

O caso aconteceu em 2016 no navio Cruzeiro do Sul, da Marinha do Brasil. Uma equipe de botânicos voltava ao continente a partir de uma estação de pesquisa na Ilha da Trindade, que fica a 1200 km do litoral do Espírito Santo. Quando eles acenderam as luzes, o enxame surgiu. A maioria dos insetos bateu na lateral do casco e caiu no oceano, mas alguns ficaram no convés. No momento da coleta, o Cruzeiro do Sul estava a 764 quilômetros de Trindade e a 389 quilômetros do continente.

 

Área do litoral brasileiro onde houve o incidente no navio Cruzeiro do Sul. À direita, a Ilha de Trindade e ao centro, o ponto onde apareceu o enxame. Foto – Google, Landsat Copernicus

O entomólogo da UFPR ajudou seus colegas a identificar os insetos coletados no navio: uma libélula, três mariposas e 13 percevejos. A equipe comprovou ainda que o navio não transportava os insetos, o que torna o entendimento do fenômeno ainda mais complexo. Algumas perguntas permanecem sem resposta, mas sabe-se que vários fatores estimulam a migração: a genética, a disponibilidade de alimentos e o local de ocorrência dos insetos, uma vez que alguns eram nativos da Ilha de Trindade e outros do Brasil continental.

Embora haja consequências econômicas e ambientais, os gafanhotos próximos ao Brasil não trazem prejuízos diretos à saúde humana. Por isso, o professor Ângelo Parise alerta que os insetos não são vilões, já que as mudanças no planeta causadas pelo homem propiciaram a alteração e distribuição de suas populações. “Os insetos formam um dos conjuntos de espécies mais bem sucedidos na história do nosso planeta. Eles são importantes para a manutenção do clima dos ecossistemas. Essa nuvem, por exemplo, pode ser fonte de proteína para outras espécies. Por isso, temos que analisá-la sobre todos os aspectos”, conclui o pesquisador.

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Por Louiselene Meneses, com orientação de João Cubas

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